MINIFÉRIAS
Um épico prélio de porres, picanhas e pequenas epifanias na paradisíaca Barra do Jacuípe
A vida é um ciclo infinito de pequenas derrotas e grandes momentos de autoengano, meio como prometer a si mesmo que só vai tomar umas duas ou doze latinhas e, minutos depois, sair para comprar outro fardo na distribuidora de bebidas mais próxima. Resolvi tirar miniférias neste final de semana. Daquelas que prometem descanso e introspecção, mas acabam mesmo é por entregar bebedeira e caos (graças a deus!), o tipo de experiência que começa num gole inocente de cerveja e termina com você implorando misericórdia enquanto entorna um litro e meio de água docemente gelada no madrugada de sexta para sábado.
Todo desastre que se preze se anuncia com um falso senso de autocontrole: em Barra do Jacuípe (distrito de Camaçari, a 50km de Salvador), a primeira cerveja desceu feito um suave soneto, do tipo que relaxa a alma, embriaga o juízo e vende sua dignidade em geladas prestações ao demônio da ressaca.
Porque, como todo bom bebedor sabe, uma cerveja nunca vem sozinha – e, aqui, nem me refiro a volume, mas ao fato de ela trazer consigo tragédias etílicas de brinde. Em poucas horas, a borda da piscina virou-se em palco, cama e confessionário. Balbuciando incongruências, dormi sentado, queixo apoiado nos joelhos, feito uma obra de Rodin a meditar o sentido da vida – que naquele momento se resumia a tentar não cair bêbado na água.
Lá pelas tantas, acordei, com o sol dando-me tapas na cara e com um braço ralado que, até hoje, não faço ideia onde arrumei: talvez tenha brigado com a churrasqueira ou enfrentado uma das plantas da casa num duelo de honra - só sei que a dor rescendia a Heineken e cloro. À essa altura, felizmente, eu já havia providenciado o almoço das infantes: picanha na brasa, linguiça com queijo coalho e frango ao molho de mostarda. Um banquete, como se vê - para elas, porque eu mesmo acabei por arrumar duas porções de mocofato (vísceras bovinas, para os desiniciados) e um molho de malagueta simplesmente pecaminoso, no sítio de um vizinho. Como na Bahia de todos os santos um incréu num se cria, a redenção gastronômica proporcionada por essas miniférias foi digna de transformar qualquer desencaminhado num fiel, feliz e fervoroso.
Por falar em felicidade, incrível como no caso do homem comum ela se resume a pequenos prazeres. Não é sobre carros esportivos, relógios caríssimos ou aquela merda de criptomoedas, com a qual o povo perde rios de dinheiro enquanto finge ser o “Lobo de Wall Street” de havaianas e cueca furada: é sobre cerveja gelada, lautos repastos e a paz de escrutinar as gônadas numa piscina, sem julgamentos. É sobre surpreender a consorte com a metafórica mandioca e garantir que, por mais que a vida te esmurre, você ao menos lhe devolva uns tapões de mão cheia, em revide.
Voltei no domingo para Salvador, com o corpo em frangalhos, o fígado refluindo e um sorrisinho cínico no retrovisor. Porque, no fim, é disso que a vida é feita: grandes porres, pequenas alegrias e histórias mirabolantes que a gente amplia para valorizar ainda mais o dinheiro investido, dividendos de alegrias e insolações. Arrependimento? Só de não ter aguentado um pouco mais de tudo. Tanto melhor, porém: com a sorte que tenho, era capaz de ir parar na capa dum jornal: “Anafado sufocado por mocofato”.
Aliterando, como sói.
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Boa semana, Marcone! Adoro ler os teus textos! Abração! Rô🌀🎈🎸