Há uma praga digital em curso, mais irritante que gente que manda áudio de sete minutos no Whatsapp porque perdeu o sono às três da madrugada: é o produtor de conteúdo que tranca seu texto, “castidade” digna da Idade Média. Um conteúdo que a gente sequer sabe se presta, mas que, num surto de prepotência epistemológica e tentativa de monetização precoce, resolve se esconder atrás da cortina do paywall. Não entrega sequer o decote do parágrafo de abertura, e já quer que a gente puxe a carteira do bolso, jogando-a em cima da cama.
Parafraseando o poeta e estivador Gerônimo: pois pegue esse cadeado e soque ele todinho, bem lá dentro.
“Já leu ‘A Casa dos Budas Ditosos’, meu filho? Pois assine aí!”, diria João Ubaldo em seu perfil trancado na plataforma do cadeado.
Como caralhos vou saber se a leitura se justifica sem saber do que se trata? Que espécie de livraria impede o leitor de pegar o livro, ler ali alguns trechos, entender do que trata o mesmo antes de comprar? Por recomendação, boca-a-boca, puro e simples? “Ah, é ótimo!”, foi o que disseram daquele filme “Tudo, em Todo Lugar, ao Mesmo Tempo” e eu, crédulo e asinino, resolvi tirar a prova, quase morrendo de enfado, tédio e ódio no processo, graças ao labirinto sensorial mais irritante a que já me submeti, desde que a TV Globinho começou a dublar anime com sotaque de Jundiaí, perto de Campinas (salve, Kaquinho Big Dog).
Quem acha que ocultar o próprio conteúdo atesta qualidade, engana-se. No máximo, passa uma vibe de sacanagem de alcova com medo de flagra. Escritores de conteúdo bloqueados são o epítome do “OnlyFans literário” que virou o Substack - até o cadeado no logo evidencia o modus operandi.
Pior ainda são os que liberam dois míseros parágrafos e cortam a onda no auge da curva, no exato ponto em que o texto empina sintaticamente a bunda e você pensa: “Agora vai...” - só que não, o mísero cadeado vem e te trava nas cercanias do literorgasmo (beijo, Tom Zé!): “Assine para continuar lendo.” Que porra é essa? Literatura ou extorsão? E nem é sobre o custo, porque pagar por leitura, quando o texto te seduz, é quase um ato de gratidão. Mas vou pagar por promissória? Sinopse? Parágrafo sem orgasmo? Recomendação?! E o risco de grafocídio voluntário? Melhor assinar Tinder Gold.
É o espírito financista do capitalismo de cliques, no qual o sujeito não quer escrever pra ser lido, só pra arrecadar. Ironia suprema, muitos desses arrombados dizem amar escrever. Porra nenhuma: amam o vil metal e, quando muito, um like ou o som da própria voz - especialmente quando ela vem com o “tcha-tching” de pix recebido ao fundo. Não querem leitores, mas dizimistas fiéis, convertidos à religião do “me leia, porque sou foda”. Pois saiba, escriba encastelado, que até ser lido, você é só um exibicionista pagando bundaço atrás de um paywall. E isso não é arte, só “empreendedorismo” (quase escrevi “meretrício”) barato.
Eu, por exemplo, escrevo meus textos todos destrancados, de coração aberto. Óbvio que quero uma nesga de seus caraminguás, mas se for pra te cobrar por algo, que seja depois do riso, do susto, da raiva ou do abraço. Depois do texto te pegar pelo colarinho e dizer: “toma aí, teu conteúdo, agora, largue de ser mão de vaca e assina logo essa disgraça”. Mas só depois. Antes, é golpe e eu não pago nem recomendo que paguem por golpes: já pagamos impostos e boletos - e, no meu caso, pelo trauma de ter acreditado que aquele maldito filme era bom.
Mas vá lá, quem sabe um dia, depois de eu ter lido um pouco do que produz, você seja digno de meus trocados. Até lá, porém, destranque essa merda e me mostre sua ars scribendi: me conquiste, me arrebate literariamente. Me sirva um vinhozinho primeiro, depois a gente conversa sobre assinatura.
Por ora, enfie esse cadeado onde o sol não bate - ou seja, no mesmo lugar de onde costuma tirar seus textos trancados.
Este substack sempre será gratuito. Mas se você tem pouco amor às retinas e não lhe fará assim, tanta falta, considere contribuir com a causa: escolha um dos planos (mensal, anual ou "Caba de Pêa") e permita que este aspirante a escriba converta seu valioso contributo em cervej… Digo, em fraldas, para as minhas infantes. Um abraço!